O arqueólogo Fernando Marques, 50 anos, olha para o céu turvo com os primeiros pingos de chuva e começa a recolher o material de trabalho. “Nesse período é mais difícil fazer a pesquisa”, conforma-se. Marques está nos fundos de uma escola na vila de Joanes, um pequeno distrito de Salvaterra, no Marajó. O arqueólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) integra uma equipe que executa o projeto “Pesquisa arqueológica e educação patrimonial na Vila de Joanes, Ilha do Marajó”. A pesquisa é feita pelo Museu do Marajó, em parceria com o MPEG e é a continuidade de uma ação iniciada em 2006, realizada pelo Iphan e Museu Goeldi. A intenção é resgatar as peças arqueológicas, a história de Joanes e desenvolver ações de educação patrimonial com a população local.
A equipe que acompanha Fernando Marques é integrada pela arqueóloga Márcia Bezerra, duas bolsistas acadêmicas e algumas pessoas da comunidade. Até abril as escavações devem continuar. Os trabalhos em janeiro e fevereiro foram acompanhados de muita chuva, comuns nessa época do ano. “Começamos em 2008, com projeto financiado pelo Iphan. A ideia é trabalhar com a comunidade para que ela se conscientize da riqueza do patrimônio local”, diz ele.
No chamado “quintal” da escola a equipe faz pequenas escavações e vai encontrando peças antigas, como pedaços de vasos e ferramentas. “Aqui era uma aldeia indígena”, explica o arqueólogo. “Depois essa aldeia cedeu lugar aos padres franciscanos, que construíram uma missão lá pela segunda metade do século 17. Quando eles foram expulsos, a missão foi elevada à categoria de vila, conhecida como Monforte”.
Desse período, os arqueólogos têm uma gravura, disponibilizada na Biblioteca Nacional, que mostra como era Joanes nesse período. A gravura serve como guia para a equipe. “Hoje, Joanes é um distrito de Salvaterra. Mas queremos conhecer melhor esse passado próspero para repassar à comunidade. Isso vai ser importante para que os moradores de Joanes percebam o potencial histórico do local”, diz ele. Não é preciso ser especialista para perceber isso. As ruínas de Joanes indicam um passado rico em histórias. As cerâmicas Marajoara e Aruã são resquícios de ancestrais que viveram na região muito antes da chegada dos europeus.
É uma história pouco contada. Pouco se sabe sobre a expulsão dos missionários no período pombalino, a elevação da Capitania à categoria de Vila de Monforte e a perda da importância econômica de Joanes - que tinha como principal renda a pesca - para a borracha, além do desenvolvimento da pecuária em Soure.
As relíquias históricas encontradas - moedas, louças, ferramentas de metais, dobradiças - têm como destino provisório o Museu Goeldi, escolhido como depositário. O trabalho é minucioso e braçal. Primeiro é passado sobre o terreno um georadar, um equipamento que faz o mapeamento do terreno. É a partir das alterações das ondas emitidas pelo aparelho que os pesquisadores percebem estar sobre uma área com concentração de material.
“A cidade está toda assentada sobre um rico sítio arqueológico”, diz a arqueóloga Márcia Bezerra, 45 anos. “Para um trabalho de reconstrução é um ambiente fantástico, pois é possível encontrar em tão grande escala esses materiais”.
No entanto, um trabalho como o que vem sendo desenvolvido em Joanes gera sentimentos contraditórios, segundo a pesquisadora. “De um lado é possível conhecermos com um pouco mais de precisão o período colonial amazônico. Mas por outro lado, há um misto de frustração porque é difícil conscientizar a comunidade sobre a preservação desse sítio. Não se pode impedir o ciclo normal da vila”.
Segundo a arqueóloga, há interesses de toda ordem quando se encontra um sítio arqueológico dessa magnitude em um local de amplo acesso como Joanes. “Há interesses políticos, educativos, religiosos, turísticos... a gente tem que ser um pouco mediador desses interesses. O fato é que há um desconhecimento do que a comunidade poderia ganhar tanto em termos simbólicos como financeiros”, diz ela.
A pesquisa deve acontecer até abril de 2009, quando será produzido material didático sobre Joanes a ser utilizado com os alunos do município. (Belém-PA/Diário do Pará)
Nenhum comentário:
Postar um comentário